Pesquisadores criam protocolo em IA para análise de poluentes em ambiente aquático

Uma aplicação web estruturada em um algoritmo de aprendizado de máquina (IA) combinada com impressões digitais moleculares para estimar a reatividade de processos ambientais, no caso, de poluentes orgânicos em ambientes aquáticos (pesticidas, fármacos, hormônios, esteroides e outros) baseados em processos oxidativos. Este protocolo de inteligência artificial com aplicação web promete se tornar uma ferramenta acessível e de larga escala para ser usada por pesquisadores, acadêmicos e por pessoas que estão diretamente ligadas à tomada de decisões em estações de tratamento de água e esgoto, ou seja, um responsável técnico de saneamento básico para cálculo automático da constante de reação e do tempo de vida de poluentes orgânicos mediados por processos oxidativos na fase aquosa.

Doutorando Flávio Olimpio Sanches Neto, da Universidade de Brasília sob a supervisão do professor Valter Henrique Carvalho Silva, da Universidade Estadual de Goiás (UEG), coordenador do projeto em Goiás

A ferramenta é capaz de simular esta reatividade proporcionando uma previsão do grau de degradação para um poluente específico sem a necessidade de qualquer custo experimental ou de modelagem molecular. Uma previsão que careceria de meses de estudos poderá ser feita com rápidos clicks na nova plataforma computacional, a um baixo custo.

Esta ferramenta foi desenvolvida a partir do projeto de pesquisa “Destinação Ambiental de Poluentes Emergentes em Águas Superficiais e Alternativas Sustentáveis de Mitigação: Abordagem Híbrida Experimental-Computacional”, selecionado na Chamada Pública Colaborativa lançada em setembro de 2020 pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (Fapeg) e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Fruto do trabalho do doutorando Flávio Olimpio Sanches Neto, da Universidade de Brasília sob a supervisão do professor Valter Henrique Carvalho Silva, da Universidade Estadual de Goiás (UEG), coordenador do projeto em Goiás, e da colaboração do aluno de doutorado Jefferson Richard da Universidade Federal de Goiás e seu orientador, professor Luiz Keng.

Artigo publicado

O trabalho teve artigo publicado recentemente na revista americana Environmental Science and Technology da conceituada editora American Chemical Society. “É uma revista com alto fator de impacto (9,028) e isso nos deixou orgulhosos devido à relevância que essa revista tem no cenário científico internacional, especialmente na área de química ambiental”, comentou o professor Valter Carvalho Silva. O trabalho pode ser encontrado no link: https://pubs.acs.org/doi/abs/10.1021/acs.est.1c04326

Para utilizar a plataforma desenvolvida, os profissionais da área ambiental não precisam ser experts em processos oxidativos avançados, cinética química teórica ou experimental, química teórica ou computacional ou inteligência artificial para simular a reatividade de um poluente orgânico frente a um processo oxidativo. Será necessário apenas passar um código indexador da molécula, o SMILES (um tipo de representação molecular – o que seria semelhante à nossa impressão digital, cada molécula possui um), explica o professor. O SMILES é facilmente encontrado em qualquer mecanismo de busca na internet.

“Esperamos que essa plataforma seja útil para o desenvolvimento de novos protocolos na academia e no setor produtivo em geral. Que nossos modelos e interface da web possam estimular e expandir a aplicação e interpretação da pesquisa cinética de contaminantes em unidades de tratamento de água com base em tecnologias oxidativas avançadas. Nosso maior objetivo é que essa plataforma seja amplamente divulgada e utilizada por pesquisadores e responsáveis técnicos de saneamento básico, tanto no Brasil quanto internacionalmente”, destaca Valter Carvalho Silva.

Inteligência Artificial

Estudos de inteligência artificial (IA) ou aprendizado de máquina têm crescido de maneira exponencial nos últimos anos devido ao avanço dos desempenhos de computadores e a construção de banco de dados. A informação mais importante para o desenvolvimento de modelo de IA é o banco de dados. “No nosso caso, por exemplo, foram necessários dados da velocidade da reação (reatividade). Um protocolo de IA geralmente segue três etapas: a primeira, e talvez a mais importante, é a busca por dados, isto é, construir seu conjunto de dados; a segunda etapa é o desenvolvimento do seu modelo; e por fim, a última etapa é a validação desse modelo empregando parâmetros estatísticos”, explica o professor.

Segundo ele, as três etapas do processo foram realizadas com sucesso, aplicando os protocolos requisitados pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e manuseando uma grande quantidade de dados, o que provocou resultados estatísticos bastante consistentes.

O professor Valter destaca, também, a importância da interação experimental com o grupo de processos avançados da Universidade de São Paulo, coordenado pelo professor Antônio Carlos Silva Costa Teixeira. “Nessa colaboração realizamos estudos de destinação ambiental de poluentes orgânicos em corpos d’água: neste laboratório realizamos a parte experimental, o que permitiu ao nosso grupo um sinergismo com os modelos teóricos – uma combinação entre a teoria e a experimentação. Essa colaboração foi essencial para desenvolvermos esse protocolo de inteligência artificial”.

“Percebemos que para calcular a reatividade desses processos de degradação experimentalmente ou utilizando modelagem molecular demandava-se muito esforço e protocolos hercúleos. Do ponto de vista experimental, existe a necessidade de equipamentos caríssimos, enquanto do ponto de vista teórico, é necessário realizar cálculos de química quântica, o que requer um núcleo de computação de alto desempenho. Neste sentido a utilização de inteligência artificial foi essencial para mitigar estes gargalos”, comenta o professor.

Aplicação web

Além de desenvolver o protocolo de inteligência artificial, os pesquisadores criaram a aplicação web para tornar o uso da ferramenta acessível e para larga escala, o que não limitaria o acesso a esses resultados a apenas especialistas da área. “Para a pessoa simular a reatividade de um determinado poluente orgânico, ela não precisará realizar estudos experimentais ou teóricos, que são caros ou difíceis de serem realizados. Será necessário apenas passar o código indexador da molécula, o SMILES”, completa o pesquisador.

O professor Valter Carvalho Silva conta que, a partir deste projeto foi iniciada uma colaboração com o Laboratório de Análise de Águas (LAnA) da Universidade Federal de Goiás (UFG). “Eles possuem uma experiência enorme no estudo da qualidade das águas do Estado de Goiás identificando as origens e os micropoluentes que podem afetar a qualidade das águas superficiais em nosso estado”, destaca. Em um trabalho prévio, os profissionais da UFG identificaram traços de vários pesticidas em mananciais superficiais em 13 áreas no Estado de Goiás decorrentes do uso e ocupação do solo por comunidades rurais e tradicionais.

O professor explica que “o trabalho deles não consegue aferir o quão prejudicial estes compostos químicos podem ser para as comunidades. Neste sentido nossos protocolos pretendem estimar o tempo que estes pesticidas ficam disponíveis na biota aquática, e o nível de toxicidade dos pesticidas e dos subprodutos gerados a partir dos processos de degradação natural. Utilizando nossas interfaces de inteligência artificial com modelagem molecular, tais análises tornam-se rápidas e acuradas, auxiliando na otimização dos protocolos para sua utilização de forma segura ou na tomada de decisão de quais pesticidas são seguros para utilização pelas comunidades rurais e tradicionais”, ressalta Valter Carvalho Silva.

Em um recente estudo feito pela equipe do professor sobre a degradação do Picloram, um dos pesticidas mais utilizados no Estado de Goiás, ficou comprovado o grau de acurácia desse procedimento. Durante meses, aplicando protocolos experimentais e de modelagem molecular, foi possível estimar o tempo que este pesticida fica disponível na biota aquática em vários cenários oxidativos, e o seu nível de toxidade bem como dos subprodutos gerados a partir desse processo de degradação natural (o trabalho foi publicado na Chemosphere – DOI: 10.1016/j.chemosphere.2021.130401, revista científica internacional com alto impacto na área de química ambiental). “Aplicando nosso protocolo de inteligência artificial, resultados de degradação para o Picloram foram obtidos em minutos e com um alto grau de acurácia com aqueles que previmos nos estudos experimentais e de modelagem molecular”, comemora o professor.

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